segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
O filme Matrix, lançado em 1999, marcou a história do Cinema, não só pela inovação tecnológica nos efeitos especiais e uso de câmeras, tão pouco porque apresentava um futuro distópico, outros já haviam sido apresentados pela 7°Arte.
Matrix marcou a mente dos espectadores principalmente porque trouxe em meio as cenas de ação questionamentos filosóficos que não eram usuais nesse tipo de cinema (o cinema pipocão).
Um dos conceitos que mais me marcaram no filme foi o de que nem tudo (ou quase nada) que percebemos é (ou pode ser) real.
Relembrando: No filme os humanos vivem presos dentro de uma realidade virtual desenvolvida por máquinas inteligentes, entre os humanos existem os libertos que lutam contra essas máquinas fazendo o que podem para libertar outras mentes. Uma clara referência a famosa "Caverna de Platão"?
Sim, mas tem mais aí...
Podemos pensar no filme como simplesmente uma, roupagem nova da alegoria de Platão, mas também podemos pensar em outras coisas: as que tocam na parte da realidade factual do mundo em que vivemos e na falha dos nossos sentidos em perceber todos os detalhes e variações que nos cercam; podemos também pensar que se trata de uma critica a sociedade humana como um todo, nas amarras invisíveis que nos cercam, desenvolvidas por estruturas sociais que muitas vezes (normalmente) fogem do nosso olhar, pois estamos tão inseridos nessa estrutura que é "uma prisão que não pode ver, sentir ou tocar" como diz Morpheus para o herói do filme, Neo.
Essa disputa da realidade e a nossa impossibilidade de enxergar o que é real tem ligações com a filosofia do conhecimento mas também fica clara (pelo menos para mim) uma ligação com a sociologia de tradição marxista," e a luta social impossível" de Bourdieu parece se materializar no filme através da impossibilidade dos não libertos de compreender a realidade que os cerca e muito menos lutar contra ela.
Nessa "batalha" que envolve todo o ser, de maneira integral com sua condição, a percepção real do mundo parece um fardo pesado demais, no filme "alguns não aguentam e enlouquecem" diz um personagem, pode ser que não só no filme aconteça isso. Na sociedade, muitos preferem se agarrar em certezas nebulosas ao invés de arriscar um conhecer mais profundo, um conhecer do mundo e de si mesmos.
Tentar “despertar” de maneira mais integral (corpo e mente), sem os dualismos cartesianos pré configurados em nós de maneira tão profunda não é tarefa fácil.
Reconhecer que “neste corpo tem gente!” que somos complexos e completos, que não somos simplesmente uma pilha de energia, requer um salto de "fé" como Neo faz no filme. Requer uma disponibilidadel de fazer grande esforços que nem sempre estamos dispostos a realizar. Ainda mais quando parece que todos os esforços para obter conhecimentos mais profundos, produzem poucos resultados positivos (isso quando produzem).
Para muitos, o verdadeiro herói do filme é o vilão Cypher, com sua frase icônica "A ignorância é uma bênção!" porém nos dias de hoje já podemos ver onde a epistemofobia tem levado grande parte da sociedade e como isso pode ser e é desastroso.
Embora essa busca pela sabedoria possa ser muitas vezes dolorosa, porque em muitos momentos irá envolver se esforçar mais ou abandonar crenças pessoais que se mostram falsas, ainda assim a busca pelo conhecimento (e autoconhecimento) se mostra o único caminho possível para nos tornar mais completos como seres humanos e como sociedade.
E embora possa ser uma tarefa hercúlea, abrir os olhos e tomar a pílula vermelha, ainda deve ser o caminho...
Direção: Irmãs Wachowski
Com: Keanu Reeves, Carrie Anne-Moss, Laurence Fishburne e Hugo Weaving
Nota: 9,0
Referências
Matrix, Lara e Lana Wachowski, 1999, Warner Bros.
Escola e Democracia, Dermeval Saviani, 1986, Cortex Editora.
Livro, Nesse Corpo Tem Gente! - Um Olhar Para Humanizar O Nosso Corpo, Maria Lucia Teixeira da Silva, 2013, Casa Do Psicólogo.
O que é Aprender?, Hugo Assman.
Corporeidade Humana, uma complexa trama transdisciplinar no aprender, Clésio José dos Santos Gonçalves.
A República, Platão.
sábado, 8 de outubro de 2022
terça-feira, 20 de setembro de 2022
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Texto do amigo Eduardo Pacheco Freitas, Historiador
A Federação é comunista?
O questionamento presente no título desse texto é, frequentemente, objeto de debates entre os fãs de Star Trek ou até mesmo de ficção científica em geral.
Vale lembrar que Star Trek é uma série diferente das outras produções do mesmo gênero, já que nos apresenta um futuro utópico em vez dos onipresentes futuros distópicos do nicho da ficção científica.
Por isso mesmo, é natural que surjam especulações sobre a natureza dos sistemas políticos, econômicos e sociais representados pela Federação Unida de Planetas.
Sociedade Comunista seria a base das atividades da Frota Estelar?
Antes de procurarmos responder diretamente à pergunta-título, é necessário considerarmos que Star Trek é um produto da grande e poderosa indústria cultural estadunidense.
É possível falarmos ainda assim de uma sociedade comunista que seria a base das atividades da Frota Estelar e portanto da maior parte dos personagens vistos na tela?
Nem tanto ao céu (ou espaço), nem tanto à terra.
Star Trek, por ser produto de uma grande empresa, sempre carregará traços maiores ou menores da sua filosofia.
É a crítica social desenvolvida por gerações de roteiristas envolvidos com Star Trek que formatou a ficcional Federação Unida de Planetas e os seus valores de igualdade, liberdade, tolerância, cooperação e paz.
É a insatisfação desses roteiristas com o presente - com o ethos capitalista e imperialista - que os levou a criar, olhando para o futuro, uma das mais importantes marcas de Star Trek: a crítica ao capitalismo e o sonho de uma sociedade pós-capitalista. Ambas estão amalgamadas na Federação.
Gene Roddenberry, criador de Star Trek, era comunista?
Gene Roddenberry foi o primeiro a concebê-la como uma sociedade onde os seres humanos, convivendo com diversas espécies alienígenas (representações da diversidade étnica e cultural da humanidade) superaram as primitivas formações sociais baseadas na acumulação de riqueza.
"A coisa mais importante a entender sobre os seres humanos é que o desconhecido define nossa existência. Estamos constantemente procurando, não apenas respostas a nossas perguntas, mas novas perguntas. Somos exploradores. Exploramos nossas vidas dia a dia , e exploramos a galáxia, tentando descobrir as fronteiras de nosso conhecimento, e é por isso que estou aqui — não para conquistá-los com armas ou ideias, mas para coexistir… e aprender". (DS9, Emissary, 1993).
Star Trek: Comunismo internacional e interplanetário
Além disso, a Federação se distingue por aquilo que chamaríamos dentro do movimento comunista de internacionalismo.
Não é isso a Federação? Mas alguns críticos, pensando nesta, que claramente apresenta formas estatais, argumentarão: “na sociedade comunista o Estado deixa de existir”.
Esta é uma visão utópica e messiânica do comunismo. Ela remete ao fim da história e de toda e qualquer contradição que adviria do mundo comunista.
Além disso, é lícito pensar que com o desenvolvimento da sociedade comunista a função repressora do Estado tende a desaparecer dando lugar às funções econômicas e culturais, que percebem enorme progresso. Obviamente, alguma forma de coerção, ainda que mínima, continuará existindo.
Esta total liberdade cultural que vigora sob uma única bandeira pode ser verificada tanto em nível galáctico (basta pensar em vulcanos, humanos, andorianos, telaritas etc.) quanto na Terra, quando vemos Joseph Sisko com sua culinária creole ou Picard produzindo seu vinho tipicamente francês.
Ao mesmo tempo não constatamos que o Estado conhecido como Federação Unida de Planetas deixa de lado a repressão e investe na aquisição de conhecimento e no compartilhamento de suas descobertas?
Evidentemente, há o caso dos Maquis, que possuem uma causa justa, contra o imperialismo cardassiano associado momentaneamente à Federação e são reprimidos por esta última.
Star Trek, Comunismo e Sociedade Pós-Capitalista
Como visto, ao perguntarmos se a Federação é uma sociedade comunista encontramos muitas dificuldades pelo caminho.
Afinal, para eles, não é possível o comunismo com Estado e o comunismo nacionalista, que preserva e sustenta a cultura nacional, sobretudo frente ao imperialismo.
Já para um outro tipo de comunista, dentre os quais me incluo, a resposta poderá ser afirmativa.
LOSURDO, Domenico. Fuga da história? A revolução russa e a revolução chinesa vistas de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
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Eduardo Pacheco Freitas é professor e historiador. Apresenta o canal "Apenas um Trekker".
É autor de Star Trek: Utopia e Crítica Social (2019) e O’Brien deve sofrer! (2021).
Os livros podem ser encontrados no link a seguir: https://linktr.ee/livrosstartrek
Eduardo Pacheco Freitas
Historiador (CRP-023/RS)