domingo, 24 de abril de 2022

Quadrinhos, preconceito e a tomada mundial

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Texto de Vinícius Vidal Rosa
Gamer da velha guarda e editor do site Salvando Nerd

Hoje vivemos à mercê de uma população mundial que parece rebobinar uma fita VHS para rever coisas horríveis do passado e repeti-las.

Vivemos a estagnação da raça humana em ter empatia com as pessoas por puro preconceito de cor, etnia, língua, origem, formato do cabelo e outras adjetivações que não cabem nesse texto. 


Talvez uma grande parte desse problema seja o interesse pela leitura. Em países desenvolvidos, esse problema não é tão frequente. 

Em 2007, foi realizada uma pesquisa que revelou que na França, a média de leitura anual são de 20 livros.
Já no Brasil, esse número chegou a 1,5 livros.



Em uma pesquisa mais recente, revelou que a média de leitura do brasileiro chegou a quase 5 livros por ano, mas destes, 2,45 livros não são concluídos.

Quadrinhos e literatura 


Por muitos anos, disse-se que os quadrinhos não poderiam entrar no hall de literatura, pois era algo visto como "chulo", "uma moda passageira", "algo que deturpava a literatura".

Mas, o que pouco se via naquela época, é a força que esse tipo de mídia teria, para mostrar muitos valores, nos fazer questionar certos paradigmas e criar um ambiente para uma puta crítica social.




Umberto Eco, autor de "O Nome da Rosa", foi um dos grandes defensores dos quadrinhos quando o preconceito com esse tipo de mídia estava em voga.

Em 1963, ele escreveu um texto (disponível hoje no site do The New York Times), chamado "On Krazy Kat' and 'Peanuts".



Após a publicação desse texto, Eco foi duramente criticado por querer colocar quadrinhos no mesmo patamar da literatura, chegando até mesmo a dizer que quadrinhos tinham um potencial narrativo tão vasto quanto um livro.

Em 2015, o autor disse em uma entrevista, que um dos críticos afirmou que ele teria usado termos muito rebuscados da alta cultura, para analisar algo de baixa cultura.

"Um crítico da época reclamou que utilizei termos de alta cultura, para analisar fenômenos de baixa cultura. Essas técnicas eram mais adequadas para assuntos mais importantes, ele escreveu de nariz empinado (...). Aquele crítico esnobe não tinha como prever que um dia estaríamos estudando a linguagem e a história cultura dos quadrinhos, mas também fazendo sua arqueologia colecionando as revistas" - (Umberto Eco, 2015 - transcrição pelo canal "Meteoro Brasil").




Como podemos então, diante de algo assim, ainda pensarmos com tal mentalidade dos anos 60, que quadrinhos não podem ser algo que propõe a mudança? Peanuts, de Charles Schulz, e Mafalda, de Quino, são algumas das obras que utilizam a figura das crianças para inserir pensamentos e questionamentos muito, mas muito adultos, e que permeiam até hoje, como a aceitação, a desigualdade, os medos e anseios das pessoas.




Já outras obras mais "americanizadas", como quadrinhos da Marvel ou DC, utilizam alguns pontos, pra tratar de temas mais sérios. Mas muitos desses tratamentos sérios são quase implícitos hoje em dia.

Já quando foram lançados, poderiam ser enxergados como um um grito de emponderamento.


X-Men, apesar se tratar muito de fantasia, ainda é um enorme brado contra o preconceito.

Mutantes podem ser enquadrados em qualquer uma das chamadas "minorias" de hoje em dia, que lutam pra ter seu espaço respeitado e seguem em busca de direitos igualitários e da sua inserção na sociedade de forma plena, sem julgamentos, sem desmoralização, sem desigualdade.

X-Men é uma das obras mais pertinentes da Marvel que não veio apenas contar uma história sobre um mundo habitado por pessoas com poderes extraordinários que lutam pela paz, mas é o levante de um estandarte de igualdade.

Visto o período em que foi composto, em que a luta racial nos EUA era o levante da nação afro-americana em busca de seu espaço na sociedade, e que as correntes da segregação deveriam ser quebradas como todos os preconceitos.

Mulher-Maravilha, na DC, trouxe o protagonismo da mulher independente, que não precisava ser salva por um herói de capa e collant, mas que possuía a força necessária para vencer suas adversidades.



Ela não apenas se tornou uma representação da mulher dentro do mundo dos heróis, majoritariamente masculino, mas tornou-se um símbolo de luta em busca de direitos iguais para homens e mulheres.

No Brasil, a Turma da Mônica, de Maurício de Sousa é o maior expoente desse tipo de mídia. 



E o mais interessante é que é um dos poucos quadrinhos em nível mundial, que traz protagonistas crianças, com seus dilemas de crianças. Turma da Mônica é uma variável constante, que foca e acerta em alvos variados, por que possui nichos para todos os seus públicos.

Algumas tirinhas é possível notar um tom mais ácido e com um crítica indireta aos costumes da população. Já outras trazem um simples dia-a-dia de uma criança comum, que brinca, chora, faz bagunça e interage com outras crianças.




Em muitos aspectos da nossa sociedade, Turma da Mônica foi a porta de entrada de muita gente no mundo da literatura. 

Com o crescimento de seu público ,muito fiel por sinal, a Maurício de Sousa Produções, resolveu trazer para o público mais maduro as suas Graphic Novels.

Muitas delas, abordando temas mais pesados, como é o caso de "Jeremias - Pele", onde o tema preconceito racial sofre uma abordagem mais próxima com os casos da via real.

Com artistas variados, Maurício de Sousa conseguiu incluir em sua vasta obra, coisas que não caberiam na revistinha tradicional da Turma, embora elas possam aparecer vez ou outra de forma implícita.

Hoje, os quadrinhos transcenderam as páginas de uma revista na banca de jornal. Quadrinhos hoje são séries de TV, são filmes, são adaptadas para jogos de videogame.

São temas de livros escolares, são temas de redação. Quadrinhos conseguiram fazer o que até mesmo Umberto Eco não conseguiu prever, eles conseguiram saltar das páginas para a nossa vida como um todo.




Seja por simples entretenimento, seja para impor uma crítica, todo quadrinho merece ser olhado de várias formas. 

Não é por que utiliza-se de uma linguagem simples e direta, que nada pode ser retirado dali.

Não é por que o autor resume a sua linguagem em três ou quatro desenhos, que não há um significado por trás dessa mensagem.

Quadrinhos podem ser a porta de entrada em um vasto mundo, de mundos. Se soubermos guiar as gerações futuras por esse caminho, certamente os erros do passado, ficarão presos apenas à ele.

E as portas para um futuro digno, estarão sempre abertas, tudo graças aos quadrinhos.
            

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