quarta-feira, 18 de maio de 2022

Persépolis: Uma narrativa incrivelmente humana, forte e atual

Persépolis
  
 Texto de Carol Caneva 
Professora de Ed.Física, mestranda e integrante do grupo de pesquisa GESEF (Grupo de Estudos Socioculturais em Educação Física - UFRGS)      

Em 2007, no Oscar uma animação destoava das produções normalmente apresentadas na premiação, no meio dos bichinhos falantes dos famosos estúdios de Hollywood estava um desenho francês que contava a história de uma menina iraniana em meio a revolução islâmica em seu país e todas as consequências desse acontecimento em sua vida.

A animação é baseada na Graphic Novel autobiográfica de Marjane Satrapi, publicada em 2000 na França. 

"Persépolis" ganhou várias edições ao redor do mundo e foi traduzida para inúmeros idiomas. 


A autora tem uma escrita bem humorada e extremamente inventiva. Ao mesmo tempo em que nos ensina sobre a cultura de seu país, o Irã, e as mudanças culturais que aconteceram após a revolução de 1979, onde radicais religiosos tomaram o poder e como isso mudaram as relações da protagonista com a sociedade e dela consigo mesma.

Os desenhos da autora, são simples, sem técnicas rebuscadas, porém a arte serve perfeitamente a narrativa e a potencializa nos momentos mais dramáticos, alegres ou líricos.

Questões como religiosidade, política e filosofia são tratadas ao longo de toda a HQ, mas nunca de maneira distante ou puramente acadêmica e sim com uma visão muito mais pessoal, de alguém que está aprendendo na prática essas várias facetas da vida e refletindo sobre elas.

A revolução e as mudanças



Antes da revolução islâmica no Irã, temos alguns vislumbres do cotidiano de Satrapi e sua família em um país "ocidentalizado e laico". 

A protagonista é de uma família com um nível econômico confortável, isso faz com que ela tenha certos questionamentos de cunho social, "porque nem todos tem um cadillac como meu pai?" "porque a empregada não come com a gente?" detalhes narrativos que irão definir a personalidade dela ao longo de toda vida.

Antes da revolução o Irã tinha costumes muito parecidos com que havia na Europa dos anos 70, com um nível de liberação relativamente alto se comparado ao que viria depois da revolução. 

Satrapi estuda em um colégio Francês laico e misto, tendo amigos e amigas livremente. Enquanto a revolução toma as ruas contra o regime do Xá, Satrapi, ainda pequena, sente nela própria um sentimento revolucionário crescer, com um forte viés socialista. 

Quando o Xá finalmente é retirado do poder, não são os socialistas que ascendem ao poder como a menina esperava mas sim uma elite religiosa radical. 

Uma das primeiras mudanças que a protagonista sente após os religiosos extremistas chegarem ao poder no Irã é na escola onde os colégios bilíngues são proibidos assim como as escolas mistas e o fechamento de faculdades

O uso de véu se torna obrigatório para as meninas, e ela se vê separada de amigos tendo que usar um novo acessório. Aquilo tudo não fazia nenhum sentido para a protagonista.

As mudanças na sociedade iraniana continuaram de maneira rápida e radical.

Regras de vestimentas, de comportamento e ideológicas se tornaram cada vez mais severas assim como as punições para quem as quebrasse. A situação do país se agravou com a guerra contra o Iraque. E com medo de que algum mal acontecesse com a filha amada os pais resolvem mandar Satrapi para a Europa.


A ida para a Europa, o velho mundo e novos comportamentos


Aos 14 anos Satrapi chega à Áustria, agora morando em um pensionato e tendo que se adaptar a vida sem os pais e aos novos costumes.

Com certa dificuldade a protagonista acaba fazendo novos amigos e procura entender essas novas relações sociais tão diferentes das que possuía no Irã. 

A personagem consegue testemunhar as diferenças entre sua cultura natal e a européia, através das observações que faz de uma amiga, compreende melhor o que significava afinal a “liberação sexual”.

A solidão torna-se um sentimento constante para protagonista que procura inúmeras tentativas de conseguir se apropriar desse novo ambiente onde está inserida. 

Depois de 1 ano e meio, neste novo universo, Satrapi adota um visual punk, se vê às voltas com drogas e uma cultura Hippie, buscando formas de pertencer a esse novo mundo.

Associados a todas essas mudanças ela também sofre com o preconceito contra imigrantes e uma grande desilusão amorosa.



Por alguns meses a protagonista chega a viver na rua, procura comida no lixo e tenta continuar viva.

Depois dessas experiências traumáticas ela resolve voltar ao Irã e se reconfortar com sua família. para isso foi preciso abrir mão de sua liberdade individual e social, conquistadas na Áustria "...precisava voltar para a casa". Foram 4 anos intensos vivendo na Áustria.

A volta do véu



Na volta ao Irã Satrapi nota algumas diferenças, no embarque teve que voltar a usar o acessório que tanto lhe causava estranhamento, e ao chegar no aeroporto iraniano sente o clima de repressão presente na sua terra natal. 

Logo na chegada ao seu antigo lar ela também nota diferenças, agora pessoais, seu quarto com temas punks, decorado quando ela tinha 14 anos já não a representa mais, tendo passado por tanta coisa ao longo desses últimos 4 anos.

Os ídolos e gostos da pequena menina já não mais refletiam sua personalidade, seus pensamentos e sentimentos.

Satrapi percebe que seu problema de pertencimento e identidade ainda não estavam resolvidos, se na Áustria sentia que quase todos a desprezavam como uma imigrante, no Irã sentia que os outros a julgavam como uma " mulher ocidentalizada imoral".

Esses e outros dilemas se acumularam e deste modo, ao que parece, Satrapi ao voltar ao Irã pode analisar o seu passado e começar a encarar o futuro com novos olhos. 

Com muitos percalços no caminho a protagonista consegue atingir certo equilíbrio na vida, adquirindo novos hábitos. 

Ao se tornar professora de ginástica, faz novos amigos, conhece um novo amor, entra para a faculdade de belas artes, onde se forma com louvor. 


O tempo passa e após 6 anos em seu país natal ela decide que é hora de mudar para a França onde poderia definitivamente, viver com total liberdade e encontrar a plenitude de vida que almejava.

Satrapi vive na França até hoje trabalhando como Quadrinista e ilustradora.


A narrativa de Persépolis é humana, forte e surpreendentemente atual e proporciona ao leitor a visão de Satrapi sobre sua cultura, e as diferentes batalhas traçadas ao longo de sua vida
.


Roteiro: 9,5
Arte: 8
Protagonista : 10
Nota final: 9.16

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