sábado, 27 de outubro de 2018

George Orwell, Brasil, despedida e medo

Poderia ser um texto com pensamentos de algum personagem saído dos livros 1984 ou Fahrenheit 451, mas é de um cidadão como eu e você, no Brasil de 2018.


"Eu tenho 28 anos. Sou casado. Possuo dois cursos técnicos. Tiro meu sustento consertando computadores e nas horas vagas, gosto de escrever. Em nenhum momento da minha vida, pensei que viveria pra falar de medos recentes. Sempre tive medo de muitas coisas. Algumas vezes venci, outras, fui superado. Mas hoje em dia é diferente.

Hoje eu posso dizer que tenho medo de falar que minha esposa é professora de História. Tenho medo de falar com pessoas nas redes sociais e sofrer represálias. Tenho medo de expor minha opinião em público por ter medo de ser agredido. Tenho medo de falar que meu irmão é homossexual. Tenho mais medo do que o “cidadão de bem” que do bandido.

Tenho medo de que as escolas acabem. Tenho medo de morrer por um mal entendido.


Hoje o peito pesa. A consciência martela uma idéia que jamais iria entender em meus tempos de escola: Como Hitler teve apoio e chegou ao poder, com todo seu discurso de ódio contra as minorias?
Hoje, vemos a ascensão do que antes era apenas um registro histórico de um período inominável, regado a sangue, horror, mortes e tudo o que de mais podre e cruel há no mundo.

Eu era um veemente defensor da internet. Da sua capacidade de
informação. De sua massa de conhecimento disponível que cabe em nossos bolsos. Hoje, tenho um pensamento um pouco diferente: de que essa mesma liberdade exacerbada, infelizmente se tornou um campo minado no que diz respeito a ser sério, e o que é falso.
É triste pensar que todo o acesso à informação que temos se esvaiu e acabou sendo deturpado por correntes de Whatsapp, posts em sites duvidosos – sejam eles de qualquer vertente política – e pessoas mal intencionadas, que apenas querem espalhar uma inverdade em prol de prejudicar pessoas.

Nessas eleições, vimos a verdadeira face do povo brasileiro: um povo hostil, preconceituoso, enraivecido com quem pensa ou age diferente, que não sabe votar, nem ler, nem interpretar um texto, e que toma como verdade uma notícia falsa, ao invés de checar as fontes em grandes portais de notícias, munidos de jornalistas e redatores sérios, alegando que tal publicação “é comunista”.

Pessoas se prevaleceram desse momento
frágil, em que nos transformamos em um velho oeste. Onde o desejo de ter uma arma para “matar quem pensa diferente de mim”, superou a proposta de uma polícia bem equipada, com inteligência para agir em pontos estratégicos de fronteiras. Onde o compromisso com a educação virou apenas um alvo para acusações de doutrinação de crianças e jovens para uma vertente de esquerda.
Onde negamos fatos e creditamos boatos. Onde livros e obras de arte começaram a sofrer censura – obras essas, que datam de vários séculos atrás.

Hoje não basta apenas convivermos com o medo da violência urbana. O medo do bandido. O medo do assalto. Também vamos ter que viver com medo de nossos vizinhos: os tais “cidadãos de bem”, “defensores da família e dos bons costumes”.

Muito sangue há de cair nos anos que se seguirão. Nada vai se resolver. Seremos aquela mesma piada velha de sempre. Mas o medo está instaurado e é isso que importa. Para eles, uma pessoa com medo, é alguém que não lutará e só irá acatar ordens, pra não sofrer as conseqüências.

Aquelas velhas fotos dos livros de história serão atualizadas. E o mais triste, é que não serão datadas do ano de 1964 ou até antes, entre 1939 a 1945. Serão datadas de 2019, 2020 e sabe-se lá até quando durar essa ditadura mascarada de democracia que nos aguarda.

Os trabalhadores perderão tudo o que conquistaram. Os ricos continuarão com seus privilégios. Os empregadores, sem a obrigação de oferecer direitos – apenas ofertarão um trabalho qualquer – e ainda teremos que lidar com bandidos e “cidadãos de bem”, ameaçando nossa liberdade de ir e vir, como mostra um velho livro de regras e bons costumes de 1988 que foi brutalmente aniquilado por uma minoria barulhenta e sem qualquer empatia pelo próximo.

A democracia queima como nossos museus. Como nossas riquezas na mão do capital estrangeiro. Como nosso anseio de mudança na mão de gente mal intencionada.


2018 foi o ano da nossa maior perda: nossa esperança.
Daqui pra frente, tudo o que conquistamos nessa republiqueta, será destruído como o sonho de todo brasileiro de prosperar.

Nós já perdemos."

Relato de alguém que prefere o anonimato para não sofrer mais represálias ou entrar em mais discussões infrutíferas nas redes sociais.

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